Conselho de Direitos Humanos da PB recebe denúncia de brasileiro que ficou cego em presídio dos EUA

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Um caso de tortura e de violência policial registrado nos Estados Unidos contra um paulista acabou virando pauta no Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba. O órgão paraibano foi contatado em outubro pelo homem, que alega ter perdido a visão do olho direito enquanto estava num presídio federal estadunidense e também ter sofrido maus-tratos durante a transferência para o hospital. De acordo com ele, foram mais de 30 horas sem se alimentar, sem tomar banho, sem nenhum tipo de diálogo, sendo conduzido e sendo humilhado por vias públicas de algemas nos braços, nas pernas e na cintura.

O g1 entrou em contato por e-mail com a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, pedindo uma posição do país sobre o caso, mas não obteve resposta. De toda forma, o portal recebeu uma cópia do documento em que o homem dá a sua versão dos fatos às autoridades locais. Trata-se de um Testemunho de Eventos e Possível Tratamento Fora do Protocolo de Imigração e Fiscalização Aduaneira para Transporte e Serviço Médico ao Presidiário, que tramita no Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

A vítima é um homem de 50 anos, que pediu para ter a identidade preservada. Ele é casado e tem dois filhos. Natural de São Paulo e formado em música, trabalhava como professor de música e também como serralheiro, produzindo portões. Em 2016, viajou com a família para os Estados Unidos, como turista, e lá resolveu ficar. Permaneceu ilegalmente até ser preso em dezembro de 2019.

Permaneceu 10 meses preso, sofreu um grave acidente, perdeu a visão, sofreu humilhações, foi deportado. Traumatizado, optou por uma cidade mais tranquila do que São Paulo, e foi assim que chegou a João Pessoa, onde se fixou desde outubro do ano passado.

Afetado pela pandemia, abalado com tudo o que viveu, resolveu pesquisar na internet. Foi quando encontrou o site do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba e resolveu mandar uma mensagem. Essa foi recebida pelo advogado Olímpio Rocha, de Campina Grande, que é o atual presidente do Conselho. Ele promete dialogar com juristas especializados em Direito Internacional para tomar as medidas cabíveis.

“Essas condutas relatadas para nós do Conselho podem se configurar como maus tratos e tortura. A nossa ideia é buscar formas de acionar juridicamente o país estrangeiro”, explica Olímpio.

Já houve uma reunião remota entre Conselho e vítima. E o objetivo é ver possibilidades de se cobrar algum tipo de indenização, principalmente para marcar posição contra o que Olímpio chama de “rígida política anti-imigrante” do então Governo Trump, que passou a perseguir “todos os que não se enquadravam no padrão branco americano”.

Olímpio Rocha é presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba — Foto: TV Paraíba/Reprodução

Terror nos Estados Unidos

O brasileiro disse ao g1 que viajou para os Estados Unidos como turista em 2016. Uma vez lá, resolveu ficar no país e se estabeleceu em Nova Orleans de forma ilegal. Logo de início, ele admite que cometeu um erro, mas destaca que isso não justifica tudo o que sofreu. “Se não posso ficar, manda embora. Mas me prender por dez meses e me tratar do jeito que aconteceu não está certo”, opina.

Ele se estabeleceu no país trabalhando na área de construção civil, os filhos começaram a estudar, a esposa se adaptou bem à nova vida. Passaram-se três anos. E tudo ia bem até o dia em que ele resolveu ir ao estado do Alabama comprar uma caminhonete. Estava ao lado do filho mais velho. Mas, no caminho, foi parado numa blitz.

“Meu filho e eu fomos presos. Na primeira corte de fiança, dois meses depois, ele foi solto. Mas eu permaneci preso”, relembra.

Na prisão, enquanto a família se mobilizava para tentar tirá-lo de lá, ele tinha uma vida dura, rígida, com muita disciplina e pouco conforto. Ainda assim, o homem explica que era bem tratado. O grande problema aconteceu depois que, em 10 de fevereiro de 2020, ele sofreu um acidente.

Estava na área destinada à recreação e ao banho de sol quando levou uma bolada acidental que acertou o seu olho. O homem sofreu uma contusão na retina e perdeu a visão de um dos olhos. Ao pedir para ser medicado, o drama começou.

Ele destaca que saiu do presídio antes do café da manhã, sem se alimentar. Foi levado a uma cidade próxima de van e, no percurso, sofreu uma série de constrangimentos. Ele fala em tratamento racista e humilhante. “Tratam o imigrante como bicho”, lamenta.

Na entrada do hospital, com uma típica roupa laranja de presidiário e com algemas nos braços, nas pernas, no tronco, no pescoço, foi obrigado a caminhar em via pública e a atravessar uma avenida larga sob os olhares dos transeuntes. Sendo obrigado a caminhar de forma rápida mesmo com a mobilidade reduzida por causa das correntes.

Voltou para o presídio depois de meia-noite, após o horário do jantar. E cedinho pela manhã, foi novamente levado ao hospital para novos exames, repetindo a dinâmica do dia anterior.

Seguiu preso, cego de um olho. E só em outubro conseguiu voltar para o Brasil, depois de uma audiência na Justiça em que aceitou a condição de ser deportado para ser liberto. Voltou, segundo ele, com transtornos físicos e psicológicos. E é por causa de tudo isso que pede reparações.

De toda forma, independente de tudo o mais, tenta recomeçar a vida:

“Um de meus filhos segue nos Estados Unidos. Ele trabalha e é quem nos sustenta. Não consigo mais trabalhar como serralheiro por causa da perda da visão. E não pude dar aula de música por causa da pandemia. Agora, com o avanço da vacinação, quero ver se retomo as aulas”, finaliza.

G1 PB

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