A PGR (Procuradoria-Geral da República) arquivou, sem fazer qualquer requisição de documentos, uma apuração preliminar aberta em dezembro do ano passado para apurar o uso de R$ 150 mil em dinheiro vivo feito pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) durante a aquisição de dois apartamentos comprados na Zona Sul do Rio de Janeiro entre 2011 e 2016.
As informações sobre as compras constam das escrituras públicas desses imóveis que foram registradas em cartórios do Rio de Janeiro pelo próprio deputado. O caso foi revelado por esta colunista e pelo jornalista Chico Otavio em reportagem do jornal O Globo em setembro do ano passado. Para arquivar o caso, a PGR disse que “notícia de jornal não é sequer indício de crime praticado, mas apenas uma narrativa de profissional de jornalismo” e não mencionou que os dados eram oriundos de documentos públicos registrados em cartório.
O procurador-geral Augusto Aras é frequentemente criticado por abrir apurações preliminares em casos que envolvem o presidente Jair Bolsonaro e sua família, mas não avançam. Na última semana, a PGR abriu apuração preliminar para verificar os dados reunidos pela CPI da Covid contra 13 pessoas com foro privilegiado, entre elas, o presidente Jair Bolsonaro. Os senadores do chamado G7 se organizam para impedir que os casos sejam esquecidos ou arquivados.
Apartamentos de Eduardo Bolsonaro
Um dos apartamentos foi comprado em 2016, época em que Eduardo estava no segundo ano de seu primeiro mandato como deputado federal. A compra foi registrada em 29 de dezembro de 2016 no cartório do 17º Ofício de Notas. Na ocasião, o deputado adquiriu um apartamento em Botafogo no valor de R$ 1 milhão. A escritura deixou registrado que ele já tinha dado um sinal de R$ 81 mil pelo imóvel e pagou “R$ 100 mil neste ato em moeda corrente do país, contada e achada certa”.
Na escritura ainda ficou registrado, sobre o pagamento em espécie de R$ 100 mil, que os vendedores deram “plena, rasa, geral e irrevogável quitação dessa quantia, para nada mais reclamar”. No documento ficou descrito que Eduardo ainda iria pagar outros R$ 18,9 mil seis dias depois. Os outros R$ 800 mil foram quitados mediante um financiamento junto a CEF (Caixa Econômica Federal). O imóvel fica na Avenida Pasteur, de frente para a Baía da Guanabara, e possui 102 metros quadrados.
A outra compra que envolveu dinheiro em espécie ocorreu em 3 de fevereiro de 2011, período anterior ao primeiro mandato de Eduardo. O agora deputado comprou um apartamento em Copacabana por R$ 160 mil. Na escritura, ficou registrado que o pagamento ocorreu com “R$ 50 mil através de moeda corrente do país, tudo conferido, contado e achado certo, perante mim do que dou fé”. Além disso, Eduardo quitou o imóvel com um cheque de R$ 110 mil.
A compra foi registrada no 24º Ofício de Notas do Rio. Outro dado é que o imóvel de Copacabana foi adquirido por Eduardo por um valor inferior ao que a prefeitura avaliava no apartamento, à época. O município avaliou o imóvel “para efeitos fiscais” em R$ 228,2 mil. Com isso, Eduardo obteve um desconto de 30% no imóvel.
Procurado, o deputado Eduardo Bolsonaro não retornou.
Caso chega ao STF
Após a publicação da reportagem, o advogado Ricardo Bretanha fez uma petição ao STF (Supremo Tribunal Federal) para que investigasse o caso. O ministro Luís Roberto Barroso pediu manifestação da PGR que informou à Corte em dezembro que já tinha aberto uma apuração preliminar sobre o assunto. “Caso, eventualmente, surjam indícios razoáveis de possíveis práticas delitivas por parte do requerido, que teve seu primeiro mandato como deputado federal iniciado em 1º de janeiro de 2015, será requerida a instauração de inquérito nesse STF”, escreveu Aras no despacho.
Desse modo, a partir da informação prestada por Aras, o ministro Barroso arquivou a petição de Bretanha em fevereiro deste ano.
No entanto, em junho, sem nenhuma requisição de informações ou documentos, a PGR pediu o arquivamento da apuração preliminar. O pedido foi feito pelo promotor Bruno Fernandes da Silva Freitas. Ele é integrante do MP do Pará, mas foi cedido para atuar como membro auxiliar no gabinete da PGR a partir de março deste ano.
Ao arquivar o caso, Freitas escreveu que havia “ausência de lastro mínimo probatório que dê ensejo à atribuição da Procuradoria-Geral, haja vista que a notícia de jornal não é sequer indício de crime praticado, mas apenas uma narrativa de profissional de jornalismo”.
O promotor chegou a informar, de modo equivocado, que o caso trataria de “suposta conduta em período anterior ao exercício de mandato de deputado federal da República, e sem vinculação ao cargo mencionado”. Ele não verificou que um dos pagamentos, o de R$ 100 mil em espécie, ocorreu em 2016, quando Eduardo Bolsonaro estava no seu primeiro mandato.
Freitas não fez requisição de informações ao deputado Eduardo Bolsonaro ou aos cartórios onde o parlamentar registrou a compra dos imóveis. Mesmo assim, o promotor disse que, ao pedir investigação do caso, o advogado “limitou-se a citar a existência da matéria jornalística” e que a “simples veiculação dessa matéria, de cunho essencialmente narrativo, não permite concluir no sentido da prática de quaisquer crimes antecedentes pelo deputado federal”.
O auxiliar da PGR reconheceu que não seria necessário que o advogado apresentasse “considerável lastro probatório”, mas concluiu que “inexistem quaisquer elementos que possam balizar a realização de possíveis diligências voltadas para a regular averiguação de uma suposta prática criminosa”. Com isso, pediu o arquivamento do caso.
Com isso, Eduardo deixou de ter o patrimônio investigado como Flávio e Carlos Bolsonaro. Os dois irmãos mais velhos de Eduardo estão sob investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) por denúncias de entrega ilegal de salários dos funcionários, a rachadinha, e lavagem a partir do uso de dinheiro em espécie na compra de imóveis.
UOL