Emissários do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), têm procurado governadores adversários em busca de compor um novo pacto federativo para 2023. Em meio a protestos golpistas que bloquearam estradas pelo país, o objetivo é tentar articular um início de mandato mais tranquilo para a nova gestão.
Enquanto o núcleo duro da campanha — chefiado pela presidente do partido, Gleisi Hoffmannn — foca no governo de transição, interlocutores da aliança (das dez legendas que compuseram a chapa) buscam os nomes que vão governar os estados a partir de 1º de janeiro. O PT avalia que pacificar a relação com os governadores no início do mandato é o primeiro passo para que o novo governo possa focar na articulação com o Congresso, principal preocupação neste momento.
Dos 27 governadores eleitos, apenas 10 compunham a chapa petista ou foram apoiados por Lula. Por isso, a aliança tem escalado lideranças locais para negociar com os eleitos nos estados, incluindo nomes do PL do presidente Jair Bolsonaro (PL), como Cláudio Castro, no Rio.
Um novo pacto federativo. Durante a campanha, Lula repetiu com frequência a crítica de que Bolsonaro não ouvia governadores, só apoiadores, e não recebia prefeitos. Como contraponto, propôs repetidamente reunir os 27 governadores em Brasília ainda na primeira quinzena de mandato para dialogar e ouvir demandas.
Mais do que o tom eleitoral para se estabelecer como antagonista de Bolsonaro e se dizer um articulador eficiente, a intenção de Lula é compor um início de mandato com menos embates políticos. O PT já esperava que a transição fosse um período conturbado — e os bloqueios das estradas por apoiadores do presidente indicam isso — e entende que, quanto menos turbulenta for a relação com governos de oposição, melhor será a condução do governo.
Articuladores que têm procurado os governadores usam o argumento da estabilidade institucional para tentar frear pautas golpistas por parte de apoiadores de Bolsonaro e evitar episódios como a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, após a derrota do ex-presidente Donald Trump.
Conversas locais. Em São Paulo, o ex-ministro Gilberto Kassab, presidente do PSD, tem sido uma peça chave para fazer a ligação entre o futuro governo Lula e governador eleito Tarcísio Freitas (Republicanos), ex-ministro bolsonarista.
Neutro na disputa nacional, o PSD de São Paulo foi vice na chapa de Tarcísio e apoiou Bolsonaro no segundo turno. O partido agora já se aproxima de Lula, sob articulação do vice-presidente eleito e ex-governador Geraldo Alckmin (PSB). Para o PT, é crucial ter uma situação estável no estado, sem que Tarcísio seja uma voz ativa contra Lula.
Outro estado em que o grupo governista avalia conseguir aproximação junto ao PSD é o Paraná de Ratinho Jr. (PSD). Reeleito em primeiro turno, o governador nunca escondeu seu apoio a Bolsonaro, mas, segundo interlocutores, já se diz aberto a uma boa relação com o governo petista.
No Rio, a aproximação com Castro é articulada pelo deputado estadual e candidato derrotado ao Senado André Ceciliano (PT-RJ). Presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), o deputado sempre teve boa relação com o governador.
No PT-RJ, a avaliação é que Castro, mesmo sendo do PL e tendo subido no palanque de Bolsonaro, não deverá oferecer resistência a um aproximação já no início do mandato
Cinturão bolsonarista. A principal dificuldade, na avaliação do entorno de Lula, será nos estados do Centro-Oeste e do Norte, um cinturão bolsonarista. No polo do agronegócio, a aliança pró-Bolsonaro conseguiu eleger todos os governadores de Roraima a Mato Grosso do Sul — e o atual presidente só perdeu no Amazonas.
Para interlocutores do presidente eleito, além de distinção de projeto de futuro — que resvala em especial no agronegócio e no meio ambiente — nesses estados estão também alguns dos governadores considerados bolsonaristas raiz, com oposição não só programática mas ideológica a Lula, como Wilson Lima (União Brasil), reeleito no Amazonas, Gladson Cameli (PP), também reeleito no Acre, e Marcos Rocha (União Brasil), em Rondônia.
No Nordeste, tudo em paz. Dos 9 estados da região, só 2 não elegeram um nome ligado a Lula: Sergipe e Pernambuco. Em ambos, no entanto, os petistas consideram a situação controlável.
Fábio Mitidieri (PSD) derrotou o senador Rogério Carvalho (PT-SE) em Sergipe, após um arranjo diferente da chapa petista, que contou, inclusive, com apoio do ex-candidato bolsonarista.
O governador eleito, no entanto, nunca foi opositor do PT. Pelo contrário: como deputado, votou contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, e contra a reforma trabalhista de Michel Temer (MDB), em 2017.
Em Pernambuco, também se espera que a governadora eleita, Raquel Lyra (PSDB), que derrotou a deputada Marília Arraes (Solidariedade-PE), tenha relação republicana com os petistas — que têm cogitado convidar lideranças tucanas para compor o governo. Localmente, o PT deverá fazer oposição programática.
Situação semelhante ocorre no Rio Grande do Sul, onde Eduardo Leite (PSDB) foi reeleito com apoio informal do PT contra o ex-ministro bolsonarista Onyx Lorenzoni (PL). Leite já fala no partido “dar suporte a Lula sem aderir ao governo” para garantir um início de mandato estável.
O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) se encontrou com o senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator-geral da Comissão Mista de Orçamento, em Brasília
Congresso é principal foco na transição. O entorno de Lula tem priorizado a futura relação com o Congresso porque sabe que depende dela o avanço das propostas e promessas feitas por Lula na campanha, como a “pacificação do país”, o aumento real do salário mínimo e a manutenção do valor de R$ 600 do Auxílio Brasil.
No Senado, a gestão Lula deverá apoiar a reeleição do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Além de ser a figura que pode atrair mais ainda o PSD, o senador é visto pela equipe do petista como o nome certo para contribuir com o desejado governo de coalizão.
O senador eleito Wellington Dias (PT-PI) tem sido o responsável pelas articulações na Casa. Nesta semana, ele participou ao lado de Alckmin, coordenador da transição, das negociações acerca do orçamento, com o senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Na Câmara, a situação está menos delineada. Lula empunhou como uma das principais promessas de campanha acabar com o orçamento secreto, controlado pelo presidente Arthur Lira (PP-AL), que consolidou o apoio do centrão a Bolsonaro.
Para o entorno de Lula, o ideal seria apoiar um novo nome na Casa, que fizesse parte desta frente ampla (possivelmente do MDB ou do PSD), para tentar enfraquecer Lira. Na casa, as conversas se dão em especial pelos deputados Márcio Macedo (PT-SE), José Guimarães (PT-CE) e Reginaldo Lopes (PT-MG).
UOL