Os milhões de brasileiros que ficaram no último mês diante da TV ou da internet para acompanhar a Olimpíada de Paris têm agora uma nova disputa para se preocupar. Embora as articulações políticas e os movimentos partidários e de pré-candidatos venham ocorrendo desde o final do ano passado, é a partir desta sexta-feira, 16, que os postulantes aos cargos de prefeito e vereador poderão se apresentar ao eleitor pedindo votos. É o início efetivo da campanha, que, por causa do volume intenso de energia empreendida em tempo exíguo (menos de cinquenta dias de propaganda política), é frequentemente comparada por especialistas a uma corrida de 100 metros. A fotografia da largada mostra que, em boa parte das pistas, os concorrentes precisarão mostrar força no início e fôlego durante o percurso. Segundo as mais recentes pesquisas, em sete das dez maiores cidades o páreo está embolado, sem uma sinalização clara de quem irá cruzar em boa posição a linha de chegada do primeiro turno, no dia 6 de outubro.
Um dos fatores que mais influenciam o quadro de indefinição do momento é a má avaliação do trabalho do atual gestor. São os casos de Fortaleza e Belém, onde os prefeitos José Sarto (PDT) e Edmilson Rodrigues (PSOL), respectivamente, têm o trabalho reprovado por boa parte da população. A gestão de Rodrigues é ruim ou péssima para 62% dos eleitores, enquanto a de Sarto tem a mesma avaliação por 40% dos moradores. Como no Brasil pós-reeleição, as disputas municipais quase sempre adquirem um caráter plebiscitário, no qual o eleitor escolhe basicamente se quer manter ou trocar o governo, eles enfrentam a real possibilidade de nem ir ao segundo turno. Nos dois casos, os votos se pulverizaram e há até quatro candidatos com chances de ir à votação final (veja o quadro). Há ainda um caso peculiar: o do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que enfrentou a pior enchente da história da cidade e viu sua gestão ser alvo de um escrutínio muito crítico da população — segundo pesquisa AtlasIntel de agosto, 61% dos moradores desaprovam seu trabalho na tragédia. Com isso, ele está em pé de igualdade nas intenções de voto com Maria do Rosário, do PT do presidente Lula, que direcionou quase 100 bilhões de reais à recuperação gaúcha — parte desse dinheiro, é verdade, ainda não chegou ao destino.
Em dois dos maiores centros urbanos do país, o problema é outro, mas igualmente centrado no prefeito de plantão: o fato de eles não terem sido eleitos para o cargo em 2020, pois eram vices e assumiram no meio do mandato. Um caso é o de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, onde Ricardo Nunes (MDB) herdou o posto com a morte de Bruno Covas, em maio de 2021. Outro é o da terceira maior capital, Belo Horizonte, onde Fuad Noman (PSD) sentou na cadeira depois que Alexandre Kalil a deixou para tentar o governo, em março de 2022. Pouco conhecidos antes de ascenderem aos postos, eles não têm o recall do eleitor porque irão disputar pela primeira vez uma campanha majoritária. Desde que assumiram as máquinas, ambos tentaram recuperar terreno investindo em obras para se tornar conhecidos e aumentar o capital político. Nunes, há mais tempo no cargo, avançou, mas 16% dos paulistanos, segundo Datafolha de agosto, ainda não o conhecem.
Noman está em situação ainda pior: de acordo com pesquisa Genial/Quaest de julho, 43% dos eleitores de Belo Horizonte não sabem quem ele é. Com isso, ele virou, numericamente, o sétimo colocado na disputa e viu o seu ex-aliado Kalil se juntar ao rival, o governador Romeu Zema, para apoiar Mauro Tramonte (Republicanos). Tramonte lidera, mas Noman, graças a um cenário estilhaçado na capital mineira, ainda consegue empatar tecnicamente com outros cinco nomes na disputa do segundo lugar. Já Nunes está ombreado há tempos com Guilherme Boulos (PSOL) na primeira posição, mas cada um tem pouco mais de 20% dos votos. Na metrópole paulista, há mais postulantes com dois dígitos — José Luiz Datena (PSDB) e Pablo Marçal (PRTB) —, que alimentam esperanças de ir ao segundo turno.
Na maior cidade do país, uma das apostas, tanto de Nunes quanto de Boulos, é receber os votos dos simpatizantes de seus maiores cabos eleitorais: o ex-presidente Jair Bolsonaro e Lula. E os dois, que indicaram os vices nas chapas, parecem dispostos a tentar influenciar a sucessão em São Paulo. Lula participou da convenção que referendou o nome de Boulos no final de julho, enquanto Bolsonaro fez o mesmo no encontro que lançou Nunes no início de agosto. Certos de seu poder de influência, ambos têm intensificado as agendas. Nos últimos dias, o petista inaugurou obras em Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis.
Bolsonaro também está na estrada. Na semana passada fez um giro em Pernambuco, incluindo carreata com o ex-ministro Gilson Machado, candidato a prefeito de Recife pelo PL. A capacidade de a política nacional interferir na eleição municipal, no entanto, é relativizada por especialistas. “Pode haver intensa mobilização, mas na reta final da disputa, nos últimos vinte dias, o eleitor vai querer saber é quem vai resolver os problemas de sua cidade”, avalia Murilo Hidalgo, diretor do instituto Paraná Pesquisas.
Esse cenário de incerteza alimenta esperanças de PT e PL, que não conquistaram nenhuma prefeitura de capital em 2020. Agora, apostam na movimentação de seus principais cabos eleitorais para tentar vencer em algumas das cidades onde o cenário está embaralhado. O PL tem candidaturas competitivas em Belo Horizonte (Bruno Engler), Fortaleza (André Fernandes) e Belém (Éder Mauro). Já o PT coloca na sua lista de sonhos Fortaleza (Evandro Leitão), Belo Horizonte (Rogério Correia) e Porto Alegre (Maria do Rosário). O partido ainda caminha com aliados fortes em São Paulo (Boulos) e Curitiba (o ex-prefeito Luciano Ducci, do PSB).
Para além dos cabos eleitorais de peso, PT e PL têm um outro trunfo: são as legendas que terão o maior tempo na TV e no rádio no horário eleitoral, que começa no dia 26. Projeção feita por VEJA com base nos dados do TSE aponta que o PL e a federação PT-PCdoB-PV terão quinze dos 42 minutos diários destinados aos candidatos a prefeito só na televisão. Há ainda o fato de deterem as maiores fatias dos fundos eleitoral e partidário (pouco mais de 1 bilhão de reais para a sigla de Bolsonaro e quase 800 milhões de reais para a de Lula).
Mesmo com a ascensão das mídias sociais, o poder do rádio e da TV ainda não pode ser ignorado. Para o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Mackenzie, o horário eleitoral tem grande importância principalmente na consolidação e unificação do discurso dos candidatos de uma mesma coligação. Mas a ferramenta, segundo ele, vem perdendo alguma relevância na mesma velocidade em que rádio e TV perdem espaço na vida cotidiana para o celular, o computador e o streaming. “O brasileiro é um dos povos que mais passam tempo navegando em redes sociais. Isso exige das campanhas formas diferentes de interação”, afirma.
O quadro embolado na largada da corrida eleitoral da maioria das capitais não se repete em três das principais metrópoles do país. Isso mostra o quanto a população tende ao pragmatismo na hora de escolher seus prefeitos. Quando os gestores gozam de boa avaliação, a contenda tende a ficar desequilibrada. No Rio de Janeiro, Salvador e Recife, as altas taxas de aprovação dos gestores se refletem nas urnas: Eduardo Paes (PSD), Bruno Reis (União Brasil) e João Campos (PSB), respectivamente, lideram com percentuais superiores a 50%, o que indica a possibilidade de liquidar a disputa no primeiro turno (veja o quadro). Além de terem o recall do eleitor, por terem sido eleitos em 2020, na prática estão em campanha desde que assumiram, pois passaram quatro anos divulgando suas ações — se há o que mostrar, como parece ser o caso, o impacto eleitoral é certo. “A máquina conta muito. Não reelege automaticamente, mas dá condições especiais de largada a quem tenta a reeleição”, diz o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.
A batalha eleitoral que se avizinha nesse cenário equilibrado pode ser mais intensa que a de 2020, quando o espectro da pandemia rondava o país e influenciou as atividades eleitorais. A própria votação foi adiada em mais de um mês (de 4 de outubro para 15 de novembro), assim como o início da propaganda, que só começou em 27 de setembro. Vários estados proibiram aglomerações, o que inviabilizou comícios. O tema da saúde, por óbvio, monopolizou a discussão. Agora, há mais cartas à mesa e mais armas à mão. O que se espera é uma campanha limpa, propositiva, centrada nos problemas da sociedade, e não a espetacularização e o rebaixamento do debate, como infelizmente tem se visto na pré-campanha. O eleitor, ao que parece, ainda espera ser conquistado em boa parte das grandes metrópoles.
Colaborou Bruno Caniato
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