Conheça Nerivan, o único gari eleito prefeito no Brasil: “Reviravolta”

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A vida de Nerivan Alvares de Lima, o Nerivan Gari (MDB), de 38 anos, mudou completamente em 6 de outubro, dia do primeiro turno das eleições. Gari concursado há quase 15 anos, ele foi eleito prefeito de Caraúbas (PB), tornando-se o único representante da categoria entre todos os eleitos para o Executivo no Brasil.

As eleições deste ano, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tiveram 432 candidatos garis. Desse total, apenas três concorreram a cargos de prefeito e, dentre eles, somente Nerivan saiu vencedor. Com isso, Caraúbas, cidade paraibana que fica na divisa com Pernambuco e que tem pouco mais de 4 mil habitantes, é a única do país que terá um prefeito gari.

“Até outro dia, a gente era gari e agora passou a ser ‘o patrão’, uma reviravolta grande demais. Com certeza, uma grande conquista”, comemora ele, em entrevista ao Metrópoles.

A vitória nas urnas teve um gosto especial para Nerivan. Nascido e criado na cidade, ele já havia se candidatado a prefeito em 2020 e obteve exatamente a mesma quantidade de votos que o adversário, que era o atual gestor em busca de reeleição. Cada um deles teve 1.761 votos e o gari perdeu a vaga no desempate por critério de idade.

A lei eleitoral estipula que, em caso de empate entre candidatos a prefeito em cidades onde não há eleitorado suficiente para justificar um segundo turno, a eleição é desempatada conforme alguns critérios, e a idade é o primeiro deles. Nesse caso, vence o candidato mais velho, e assim ocorreu em Caraúbas.

Votação em 2020 elevou a confiança

Apesar da derrota, a quantidade de votos obtida por Nerivan em 2020, primeira vez em que ele disputou a prefeitura, foi um sinal positivo. O gari, que vivia limpando as ruas da cidade e era desacreditado por muitos, em razão da estigmatização da profissão, surpreendeu e tornou-se um nome de peso.
A primeira eleição disputada por ele foi em 2016, quando se elegeu vereador, com 209 votos. Entre 2017 e 2020, Nerivan conseguiu conciliar o mandato com a função de gari e, ao final do período, foi convidado por um grupo de vereadores para disputar a prefeitura.

O sentimento imediato, à época, foi de dúvida generalizada. “Foi o momento de maior reflexão. Fiquei fazendo várias perguntas para mim mesmo: e se eu perder? Como vai ser? E se eu ganhar? Por que eu sou candidato a prefeito? Qual é o diferencial que tenho que ter? E como será para a minha família? Terá perseguição?”, relembra ele.

Passado o pleito, o empate foi comemorado como se fosse uma vitória e elevou a confiança de Nerivan. O gari que duvidava de si passou a aceitar melhor a veia política e acreditar no próprio potencial. “Foi uma sensação de dever cumprido, de que estávamos no caminho certo, alinhados com os pensamentos das pessoas do nosso município”, descreve.

“Galera do Gari”

Na pré-campanha deste ano, ao ser escolhido novamente para disputar o cargo, o grupo em torno do gari ficou ainda maior, com apoio de outras lideranças políticas da região. Rapidamente, motes eleitorais como “Galera do Gari” e “Eu Tô Com O Gari” ganharam corpo e mobilizaram a maioria da população.

Nerivan foi eleito com 2.276 votos, 54,58% do total de válidos. Em entrevista ao Metrópoles, ele se emocionou ao fazer um retrospecto da vida, desde o trabalho como gari até chegar à prefeitura. “Eu nem sei o que dizer. Não sei, é uma vitória tremenda. Sair dali, de uma profissão mais dura, difícil e muitas vezes discriminada, para se tornar o prefeito é uma reviravolta”, diz ele.

Discriminação e perseguições: “é um doido”
A trajetória do prefeito eleito, no entanto, nem sempre foi de vitórias. Nerivan é o filho mais velho de um casal de agricultores e viveu a infância na zona rural, até os pais decidirem se mudar para a cidade em busca de melhores condições de trabalho e de estudo para os filhos.

Aos 23 anos, quando já namorava a atual esposa e tinha projetos de se casar, ele prestou o concurso da prefeitura, visando a estabilidade e a garantia dos planos futuros. “Escolhi concorrer para gari, pois era o mais fácil de passar e queria ficar garantido. Passei, fui convocado, as pessoas não acreditavam que a gente iria trabalhar, mas fui de imediato e comecei a trabalhar”, conta ele.

Na rotina da profissão, Nerivan viveu momentos de discriminação, que reverberaram, inclusive, na disputa política. Em 2020, por exemplo, era comum ouvir argumentos do lado adversário como: “‘Um gari ganhar as eleições? Vai nada. Um gari não ganha. Por que ele é candidato? Um homem desse é doido’, tinham essas perguntas na sociedade”, exemplifica ele.

Além disso, nos anos seguintes a 2020, após a votação empatada com o prefeito da cidade, o gari começou a ser fiscalizado de perto nas ruas do município, com pessoas do lado contrário fazendo fotos e vídeos para dizer que ele não estava trabalhando. Para contrapor a “perseguição”, Nerivan começou a fazer o mesmo, mas para se resguardar e comprovar a execução do trabalho.

“Essa história mostra que você pode ser o que você quiser, basta acreditar, buscar conhecimento e fazer a coisa certa, com responsabilidade. Não é porque você é gari que você não estudou ou é um despreparado. É uma profissão discriminada, mas não significa que a pessoa que está ali não tem condição de conversar ou dialogar com quem quer que seja. Que as pessoas comecem a ver de maneira diferente qualquer profissão, e claro a de gari”, diz Nerivan.

Metrópoles

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